O Espaço Entre as Orelhas
Enquanto o mercado gasta 95% do budget em telas, o território mais valioso da marca sempre foi outro. Aliás, foi, é, e sempre será.
Garay tinha uns dez anos quando viu na TV uma série de comerciais com musiquinhas que ele achou trilegais. Juntou dinheiro da mesada, foi numa loja de discos na Galeria do Rosário e comprou "Mutantes" — o disco que tinha as músicas usadas nos comerciais. Algo Mais, 2001, Dom Quixote. Gastou o disco de tanto ouvir com os amigos.
Só muitos anos depois ele entendeu que Algo Mais era a brand song da campanha da Shell. No formato de "jingle", ela tinha capturado a atenção, o coração e a mesada de 20 cruzeiros novos dele. Garay conta isso e acrescenta: "A Shell poderia ter usado aquela música e aquele slogan por décadas. O 'Algo Mais' podia ter sido o 'Just Do It' da Shell."
Essa história não é sobre nostalgia. É sobre uma verdade que o marketing moderno esquece o tempo todo: você não gasta sua mesada com o que você vê. Você gasta com o que você sente. E o que você sente, quase sempre, entra pelos ouvidos.
O Petroleiro de Meio Milhão de Toneladas
O mercado investe, ainda hoje, cerca de 95% do orçamento de comunicação em meios primariamente visuais. É um petroleiro gigantesco, carregado de dinheiro, navegando numa direção. Mudar o rumo dele demora. E muita gente poderosa tem interesse em que ele não mude rápido demais.
Existe uma quantidade absurda de capital investido em plataformas baseadas em imagens. Instagram, TikTok, YouTube, out-of-home digital. Os donos dessa grana não querem ouvir que o território mais valioso pode estar em outro lugar. Mas está. Sir John Hegarty, um dos publicitários mais influentes do planeta, repetiu, de várias formas ao longo dos anos, uma frase que é mais ou menos essa aqui:
"No final, existe apenas um espaço de mídia; esse espaço é aquele que fica entre as orelhas de alguém, e esse é o espaço que eu quero ocupar."
A Honestidade Desconfortável
Na Jinga, levamos a frase de Sir Hegarty a sério. Tanto que nosso slogan atual é: "Ajudamos marcas a morar pra sempre na cabeça e no coração das pessoas." Não estamos dizendo que o visual não importa. Estamos dizendo que o visual sozinho não constrói residência permanente. Quem constrói é o som. Porque som é memória emocional. E memória emocional é decisão de compra.
Mas vamos na transparência: mesmo trabalhando com música publicitária há décadas (o menos experiente da nossa equipe fixa tem 17 anos de estrada), nós não temos clareza de todas as implicações desse deslocamento tectônico da atenção para o som. Estamos, de certa forma, descobrindo junto com vocês — Diretores de Marketing, Diretores de Criação, RTVs — o que significa viver num mundo onde todas as pessoas passam mais tempo ouvindo do que olhando.
O que sabemos? Sabemos fazer música que vai morar entre as orelhas das pessoas. Sabemos criar brand songs que funcionam no Spotify e viram jingle na TV. Sabemos fazer sonic logos que cabem em 3 segundos e carregam 30 anos de história da marca. Sabemos fazer earcons que permitem interação fluida sem escravizar o usuário numa tela.
O que ainda estamos aprendendo? Como esse território vai se organizar nos próximos 10 anos. Quais plataformas vão dominar. Como a IA vai impactar (de verdade) a produção e o consumo de áudio. Como as marcas vão navegar um mundo onde assistente de voz, podcast e música streaming competem pela mesma atenção auditiva.
Aqui vai algo pra pensar: não é a primeira vez que a atenção migra pros ouvidos. O rádio fez isso nos anos 1930-1950. Foi a era de ouro do áudio no marketing. Jingles que viraram hits. Radionovelas que paravam o país. Spots que vendiam milhões sem uma única imagem. Depois, a TV chegou, e todo mundo achou que o áudio tinha morrido. Pois não morreu. Apenas mudou de lugar. E agora está voltando — turbinado, personalizado, onipresente.
As Brand Songs, os Earcons e o Futuro da Fluidez
Existe uma maneira simples (mas nada fácil) de conquistar esse território: brand songs bem feitas, que podem ser desdobradas em múltiplos formatos.
A música inteira toca no Spotify. A versão de 30 segundos vai pra TV. A versão de 6 segundos vira bumper no YouTube. Parte do refrão vira sonic logo. E o earcon — aquele "plim" de 1 segundo — vira o som que confirma interação no app, na Alexa, no painel do carro. Enquanto o mercadão gasta 95% do dinheiro tentando criar ícones visuais perfeitos, os ícones sonoros (que recebem apenas uma parte pequena dos 5%) são os verdadeiros responsáveis pela fluidez da nossa interação com o mundo HOJE. Eles permitem que as pessoas interajam com a realidade sem serem escravizadas por telonas, telas ou telinhas.
Fogueiras, Canções e Humanidade
Muitos influencers de marketing adoram dizer que "seres humanos sempre se reuniram em volta da fogueira pra contar histórias". Verdade. Mas eles esquecem convenientemente de mencionar que seres humanos sempre se reuniram em volta da fogueira também pra cantar e dançar.
E no dia seguinte, cantavam para trabalhar. Cantavam para ir à guerra. Cantavam para honrar seus deuses. Cantavam para impressionar seus amores. Cantavam pra ensinar suas crianças. Cantavam para comemorar nascimentos e casamentos. Cantavam para chorar seus mortos. Cantavam para celebrar seus heróis. Música não é "conteúdo". Música é linguagem primária da espécie humana.
Quando uma marca consegue ocupar esse território — quando ela tem uma música que as pessoas cantam sem perceber, que toca na cabeça enquanto elas fazem outra coisa, que elas reconhecem em menos de 2 segundos — essa marca não está apenas "fazendo marketing". Ela está fazendo parte da vida das pessoas. E isso, nenhum anúncio visual, por mais bem filmado que seja, consegue fazer sozinho.
O Que Vem Por Aí
O petroleiro vai mudar de direção. Devagar, mas vai. Porque a atenção já mudou. As pessoas já estão com fones de ouvido 24 horas por dia. Já estão consumindo podcast, audiobook, música streaming mais do que TV aberta. Já estão interagindo com assistentes de voz que não têm rosto, apenas voz.
As marcas que entenderem isso antes das outras vão ter uma vantagem competitiva brutal. Não porque apostaram numa "tendência". Mas porque ocuparam o único espaço de mídia que realmente importa: aquele que fica entre as orelhas das pessoas. É lá que a Shell poderia ter morado por 40 anos com Algo Mais.
É lá que sua marca pode (e deve) ir morar também.
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Nota sobre os dados: O número de 95% é uma média conservadora baseada nos relatórios globais de investimento. O estudo "The Investment Gap" da WARC aponta que 91% do budget geral vai para visual, enquanto o relatório da IAB mostra que, no digital, o áudio recebe apenas 3% da verba).
“A vida vem em ondas como o mar.”
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